sábado, 24 de maio de 2008

Modernização

- Claro que tenho certeza! Foi o teu nome que eu ouvi!

Poderia ser verdade. Afinal, Zé Alicate, encarregado da manutenção da fábrica, tinha trânsito livre em todos os departamentos e era seu amigo. Era de confiança. De manhã fora chamado para consertar o ar condicionado da sala de reuniões e ouvira, entre diversos assuntos tratados pelos integrantes da diretoria, muitas considerações favoráveis ao nome de Juremir para a chefia do setor de prensas hidráulicas.

- Presta atenção no trabalho, Juremir! Aterrisa!

Mas Juremir não aterrisou. Seu pensamento flutuava rumo a uma promoção, enquanto sua prensa computadorizada trabalhava sozinha. Há um ano tinha sido iniciado o processo de modernização da fábrica. Veio, então, uma equipe de São Paulo, junto com técnicos da Alemanha e a empresa para se modernizar fez terceirizações, “downsizings”, ou um rebu total como definiu Zé Alicate. Estas modificações foram acompanhadas de 63 demissões. Dez se foram faz três meses. Vinte no mês passado e trinta e três anteontem.

Do seu posto de trabalho, agora num pavilhão bem iluminado, espaçoso, o piso branco com faixas amarelas demarcando o local de cada máquina, Juremir e os outros 21 operários ouviam o alarido vindo da rua, provocado pelos demitidos reclamando direitos e da própria situação. Hoje pela manhã, tinha encontrado no portão de entrada uma bandeira do Brasil, colocada no chão impedindo a passagem de quem quisesse entrar. Sob vaias e o olhar de espanto de seus ex-colegas, abaixou-se, recolheu a bandeira com respeito, cruzou o portão e a estendeu novamente, fechando os ouvidos aos gritos e xingamentos, onde “pelego” era o mais educado que pôde perceber. Virou as costas e mentalmente devolveu as ofensas àquela “petezada que só sabia reclamar”.

- Foi difícil pra mim!, pensou em voz alta. Eu varei noites estudando o manual desta máquina, eu paguei o xerox do meu bolso, eu sei dar os comandos de prensagem em inglês, eu não pedi ajuda, eu fiz sozinho! Lembro que meu pai me ensinou a trabalhar na enorme prensa manual e eu comecei aqui com doze anos de idade! Agora chegou minha vez!

Respirou fundo, contou até 10, voltou-se para o painel de comando da máquina, comparou com a meta de produção diária, sorriu pelo dever cumprido e iniciou o processo de desligamento do computador, pois o grande relógio digital da entrada marcava 5 minutos para as 6 horas. Concluído o trabalho, na porta do vestiário, o gerente geral lhe faz o tão esperado convite:

- Sr. Juremir, aguardamos o senhor amanhã cedo, oito e meia, na sala de reuniões da diretoria. Temos um convite que vai lhe agradar. Ok? Põe uma gravata, tá?

Juremir não sabe se agradeceu, não tem certeza se trocou de roupa no vestiário, não se lembra se bateu o ponto. Não viu, também, os ex-colegas fazendo piquete, não viu se a bandeira do Brasil ainda estava lá, não viu, por fim, o cabo de aço do guincho se romper por excesso de peso e jogar sobre ele a antiga prensa manual que tinha sido vendida como sucata.

sábado, 17 de maio de 2008

A Reforma

Tudo começou quando ...